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t e s e s M iguel J oão C osta DEDERE AUT JUDICARE? M 1 A DECISÃO DE EXTRADITAR OU JULGAR À LUZ DO DIREITO PORTUGUÊS...

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t e s e s

M iguel J oão C osta

DEDERE AUT JUDICARE?

M 1

A DECISÃO DE EXTRADITAR OU JULGAR À LUZ DO DIREITO PORTUGUÊS, EUROPEU E INTERNACIONAL

Dedere aut Judicare?

INTRODUÇÃO A pergunta que figura no título do presente estudo, com a intencionalidade que lhe é dada, tem três sentidos. Primeiramente, ela questiona se vigora no ordenamento jurídico-penal português o princípio, usualmente atribuído a Hugo Grócio sob a fórmula “aut dedere aut punire”, segundo o qual, perante um pedido de extradição, não pode deixar de fazer-se uma de duas coisas: ou extraditar a pessoa, ou reprimir penalmente os factos que lhe são imputados. Concluindo-se pela vigência do princípio, a pergunta assume um segundo sentido, que indaga se as alternativas que o integram se encontram em situação de paridade, proporcionando ao decisor uma autêntica opção (sc., uma decisão de resultado não predeterminado pela lei) entre “dedere” e “judicare”, ou se, pelo contrário, uma delas tem primazia sobre a outra. Identificando-se uma margem de opção, mesmo que curta, com aquelas características, a pergunta requer, por fim, que se determinem os critérios que devem presidir ao seu exercício. A análise incide de modo primacial sobre a lei portuguesa que disciplina a extradição: a lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto). A absoluta primazia que lhe é concedida contrasta abertamente com a sua subsidiariedade em relação às normas dos tratados, convenções e acordos internacionais a que o Estado português está vinculado, bem como às emanadas das instituições da União Europeia e dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal é parte. No entanto, isso não vota a lei interna à residualidade, pois ela, além de regular de modo exclusivo a cooperação de Portugal com inúmeros Estados, não se aplica apenas na total ausência de disposições de outros ordenamentos normativos, mas também na sua insuficiência, o que significa que, num mesmo caso, podem ser simultaneamente aplicáveis normas da lei interna e de outros diplomas. A principal razão para atribuirmos aquela primazia à lei interna é, contudo, ainda uma outra: as leis internas de cooperação, e a portugue-

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Tese de Mestrado

sa não é excepção, constituem o receptáculo, ou um compêndio da tradição jurídica do respectivo ordenamento jurídico na matéria. De facto, elas configuram instrumentos normativos criados por uma dada jurisdição de modo unilateral e com independência da vontade de qualquer outra jurisdição, ao contrário do que acontece, v.g., com uma convenção internacional, que é precisamente uma concertação de vontades. Isso atribui àqueles instrumentos normativos um carácter paradigmático. No entanto, a fim de oferecer um retrato mais completo do princípio aut dedere aut judicare no ordenamento jurídico português, o estudo inclui um tratamento, ainda que breve, dos ordenamentos jurídicos internacional (incluindo as normas gerais e convencionais de extradição, bem como as relativas à entrega ao Tribunal Penal Internacional) e europeu (sc., as normas relativas à execução de mandado de detenção europeu).

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PARTE I Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal

Dedere aut Judicare?

§ 1. A decisão de extraditar ou não extraditar (dedere aut non dedere) 1. Breve descrição do processo de extradição 1.1. Natureza mista: fase(s) executiva(s) e fase judicial O processo português de extradição passiva tem carácter urgente e compreende duas fases diferentes e sucessivas (cf. arts. 46.º s. LCJ): Uma primeira, executiva, destina-se à apreciação do pedido de extradição pelo Ministro da Justiça com base em referentes de ordem política ou de oportunidade ou conveniência e culmina numa decisão que pode ser de indeferimento liminar ou de prosseguimento do processo1. No primeiro caso, o processo é arquivado sem possibilidade de recurso2. No segundo, avança para outra fase, judicial, da competência do Tribunal da Relação (Secção Criminal), que aqui intervém como tribunal de primeira instância. Embora, literalmente, seja este o desenho adjectivo traçado na LCJ, a doutrina há muito que considera admissível, em certas situações (maxime, de alteração superveniente de circunstâncias), a ocorrência de uma segunda intervenção executiva, posterior à decisão judicial de con1 Por os referentes da decisão que nela tem lugar serem de índole político-administrativa (e não estritamente administrativa) e por a entidade competente para essa decisão ser o titular de um órgão superior do Estado, consideramos que designar esta fase de “executiva” é preferível a designá-la – como é mais usual e, aliás, como faz a própria lei – de “administrativa”; mas v. infra, o ponto 3. 2 O indeferimento pode ser parcial, negando a extradição em relação a certo(s) crime(s), com as consequências descritas, e declarando-a viável em relação a outro(s) – cf., e.g., o Ac. STJ de 07-01-2009, processo n.º 08P4144, em .

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