Lucia Helena Cavalcanti Valle

Pensamento crítico na web: trajetórias da pesquisa escolar Lucia Helena Cavalcanti das Neves Valle1 (UFPE) Sérgio Abranc...

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Pensamento crítico na web: trajetórias da pesquisa escolar Lucia Helena Cavalcanti das Neves Valle1 (UFPE) Sérgio Abranches2 (UFPE) Resumo: O presente artigo pretende discutir a pesquisa escolar, tal como a encontramos nas escolas hoje, suas minúcias e o ideal de pesquisa que estaria por ser alcançado. Examina-se também a relação da pesquisa escolar na web com o pensamento crítico e sua importância para a contemporaneidade, descrevendo um ideal de pesquisa a fim de desenvolver o pensamento crítico dos sujeitos aprendizes em sala de aula e fazendo um levantamento das fases que os alunos pesquisadores podem percorrer. Palavras-chave: Tecnologias na Escola, Pesquisa escolar, Pensamento crítico. Abstract: This article discusses the school research, as we find in schools today, its details and research that would be ideal to be achieved. It also examines the relationship of scholarly research on the web with critical thinking and its relevance to the contemporary, describing an ideal research to develop critical thinking subjects learners in the classroom doing a stages’ survey that Students researchers can experience. Palavras-chave: Technology at school, school research, critical thinking.

Introdução Quando recorremos à pesquisa na web, normalmente percorremos alguns caminhos semelhantes: acesso aos portais de busca, levantamento do que está sendo posto sobre determinado assunto e seleção de tudo aquilo que pode ser aproveitado para a nossa pesquisa. Isso, imediatamente, nos leva a uma reflexão importante: os mecanismos de pesquisa contemporâneos como a busca na web, por exemplo, exigem dos estudantes novas habilidades de compreensão e análise. Compreender o resultado encontrado, classificando mentalmente, fazendo sua própria seleção e seguir adiante na pesquisa rejeitando páginas eletrônicas com informações sem credibilidade, obsoletas ou incompletas traz à superfície algumas habilidades específicas.

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As habilidades de análise de informação, que estão diretamente relacionadas com o pensamento crítico, têm sido pouco discutidas no contexto dos nativos digitais (Prensky, 2005). As questões relativas à compreensão e aprendizagem têm sido classificadas em termos acadêmicos convencionais, dando um enfoque à Internet e às TIC como uma questão apenas de tecnologia, esquecendo de abordálas como parte de uma ampla leitura de mundo. As tentativas dos modelos pedagógicos e cognitivistas atuais em lidar com a tecnologia na escola só têm conseguido vê-la como um instrumento, uma ferramenta dentro de um processo maior, quando sabemos que essa discussão sobre esse tema já se ampliou e as tecnologias passam a ser vistas muito mais como uma parte do cotidiano moderno do que uma opção em sala de aula. Assim, com a intensificação do uso de tecnologias na escola, muitos professores se dão conta – embora ainda sem saber o porquê – que os alunos não possuem as habilidades de letramento e crítica necessárias à pesquisa, seleção e armazenamento de informações úteis na internet. Para além de tudo isso, os alunos precisam mobilizar novas habilidades de leitura e compreensão, a fim de pesquisar eficientemente quando estiverem envolvidos com a aprendizagem na Internet e com as TIC. Nesse caminho, estamos apenas iniciando a compreensão no que diz respeito às novas habilidades de leitura crítica necessárias quando se trabalha com as TIC e, em muitos casos os alunos não sabem como abordar a leitura em ambientes online (Guinee et al, 2003).

A Pesquisa na Escola A pesquisa escolar tem sido revista nos últimos anos, por uma razão bem simples: apesar de ser incentivada nas escolas periodicamente e até haver eventos especificamente voltados a expor os frutos dessa pesquisa – como as feiras de conhecimento, por exemplo – ela não tem conseguido levantar no aluno o espírito inquiridor, a fim satisfazer sua curiosidade buscando respostas à sua curiosidade motivada. É preciso mudar, a partir da sala de aula, a perspectiva atual de

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abordagem: quem ensina e quem aprende e fazer da pesquisa uma atividade de busca constante, onde professor e alunos estão no mesmo lado da atividade, construindo e reconstruindo conceitos e idéias. A pesquisa escolar deve ser uma atividade em que os alunos tenham oportunidade de estudo independente, de planejamento de trabalho, de uso de fontes de informação, de desenvolver o pensamento crítico, de adquirir autonomia no processo de conhecimento, de aprender a trabalhar com seus colegas colaborando e contribuindo com o grupo, de sugerir, construir, elaborar, concluir, sentindo-se satisfeito com os resultados atingidos. (Moro, et al, 2006)

Assim, a pesquisa escolar pode e deve ser algo prazeroso, onde os alunos percorrem suas próprias trajetórias até chegar à conclusão de seus trabalhos, satisfazendo suas descobertas. Também se pode falar em ambiente de aprendizagem colaborativa, uma vez que, altamente motivados, terão prazer e desejo em compartilhar suas descobertas. A tendência em educação tem sido a de olhar a pesquisa escolar apenas como instrumento avaliativo, nos moldes mais tradicionais da avaliação não formativa, ignorando-lhe a face construtiva, elaboradora (Freire, 1985). Por isso, quando se pensa em pesquisa escolar via Internet, alguns setores da escola preferem ignorar completamente a existência do ciberespaço: continuam a fazer as pesquisas como orientadas há mais de meio século, fazendo também um malabarismo enorme a fim de manter essas tecnologias fora da sala de aula. Como poderia, então, o atual sistema de ensino adequar-se à inovação tecnológica? É necessário repensar toda a abordagem, pois até os textos na web têm uma dinâmica diferente (Marcuschi, 2005). Quando os jovens pesquisam na internet, por exemplo, em vez de ler as descrições curtas fornecidas, na maioria dos resultados de pesquisas, os alunos vão mais frequentemente à consulta do primeiro link fornecido pelo sistema e trabalham sua pesquisa através da lista, seguindo a linearidade (GUINEE, 2003, p. 363).

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Assim, não só empregam-se tempo e esforço desnecessários, como também não se trata da estratégia mais eficiente para acessar informações relevantes. Estudos realizados recentemente dão conta de resultados mistos, quando o assunto é tecnologia em sala de aula, fazendo com que uma conclusão definitiva seja difícil e não haja o consenso sobre sua aplicação (Sivin-Kachala, 1999; Schacter, 1999). O grande agente motivador da pesquisa deveria ser o próprio gosto pela busca, pela descoberta; para o professor, deveria ser o “ensinar a aprender”. O problema é que na maioria dos casos o aprender a aprender é concebido apenas como mera resolução de problemas, focando apenas na identificação e correção de erros no ambiente externo. Solucionar problemas é importante, mas, esse tipo de aprendizagem que envolve o

pensamento crítico é mais do que meramente

identificar e corrigir algo: é aprender, também, a olhar para dentro de si. Os sujeitos precisam reagir criticamente ao seu próprio comportamento, identificando quais aspectos de seu comportamento podem contribuir para problemas sociais – desde jogar uma embalagem vazia no chão até agir sem ética no seu cotidiano (Morin, 1996). Então, no centro de toda essa problemática estaria a reflexão como ponto central de todo o problema com as pesquisas: ensinar a “refletir sobre” é, por vezes, mais importante do que memorizar dados a respeito de determinado tema. O grande problema da pesquisa escolar é que, quando as pessoas pensam em pesquisa, pensam em busca de informações. A prática reflexiva eficaz requer cuidado, trabalho e planejamento. Se deseja-se aumentar as possibilidades de aprendizagem através da experiência, deve-se considerar o componente “ação” após a pesquisa, e planejá-la tal qual é planejada a pesquisa universitária (Demo, 1998), tento o cuidado para que essas demandas da prática não venham a inibir as possibilidades de aprendizagem que podem ser concebidas de diferentes maneiras. A reflexão sobre o produto da pesquisa – seja ela feita na web, no campo, nas bibliotecas – é uma etapa que vem sendo negligenciada e desconsiderada. Quando Carter & Doyle (1987) comentam sobre a formulação das anedotas, dizem: “Ao escrever uma anedota, o autor constrói um relato pessoal de uma

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situação de sua perspectiva como uma figura central em um maneira que cria um sentimento de compreensão do uma determinada situação”. Assim, para compreender uma anedota é necessário que se analise a perspectiva da figura central, e só então ela se tornará compreensível para quem a lê. Com a pesquisa na web, deve ser feita mais ou menos a mesma coisa: analisem-se as perspectivas dos sujeitos envolvidos, dos dados e informações coletados, para então formar-se um juízo sobre o objeto da pesquisa (Morin, 1998). Fazer essa análise durante a pesquisa é importante, e uma observação da prática reflexiva eficaz é um passo fundamental rumo a uma busca formativa, reflexiva, questionadora. Concebendo então a pesquisa como uma prática reflexiva, questionadora e planejada, de que maneira então planejar e apoiar a pesquisa na web? Um dos caminhos é formar equipes de trabalho colaborativo, e tentar conhecer o que esses jovens gostariam de ver futuramente na web, como produto seu (Ramal, 2002). Como cada grupo difere em interesses e aptidões naturais, não existe fórmula única: cada ambiente escolar encontrará a sua, redirecionando suas pesquisas e fazendo seus ajustes. As habilidades de análise crítica, nessa etapa, se mostram fundamentais. Pensar criticamente seria de grande utilidade para quem está sendo exposto a um turbilhão de informações, diariamente, através da Internet.

O Pensamento Crítico Na era da Internet e da sociedade da informação, o "pensamento crítico" representa uma qualificação maior. Em geral, o pensamento crítico “é uma atividade mental de avaliação de argumentos ou proposições e juízos que podem orientar o desenvolvimento de crenças e ação” Gilster (1997, p.87). O pensamento crítico pode ser considerado a mais importante habilidade quando se utiliza a Internet, porque na web circulam todos os tipos de informações e fontes não muito fidedignas, incompletas, obsoletas e assim por diante. De qualquer modo, como trata Facione,

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As habilidades cognitivas de análise, interpretação, inferência, de explicação, avaliação, de acompanhamento e de corrigir o próprio raciocínio estão no cerne do pensamento crítico. Através da prática, e com uma boa orientação, podemos desenvolver nossas habilidades de pensamento (como as nossas habilidades artísticas, atléticas ou de liderança), na medida de nossas habilidades naturais permitem. O pensamento crítico é o julgamento, reflexivo e intencional. (FACIONE, 2000, p.61)

O julgamento crítico e intencional está assim diretamente ligado às habilidades de pesquisa necessárias em qualquer prática, pois é imprescindível que o aluno mobilize certas habilidades a fim de selecionar, julgar e criticar certos elementos encontrados na sua busca e então decidir sobre eles. Alguns teóricos sugerem que a habilidade de pensamento crítico está diretamente ligada à motivação interna para pensar e que esse pensamento é resultante dessa motivação mais as disposições críticas. Se for verdade, esses pressupostos sugerem que um currículo capaz de elencar competências bem situadas dentro das pesquisas escolares, geraria uma situação propícia à disposição e capacidade para pensar. Parece que o ensino eficaz deve incluir estratégias para a construção intelectual do pensamento em vez de depender exclusivamente do fortalecimento das habilidades cognitivas. O pensamento crítico é uma habilidade difícil de ser encontrada nas escolas. Inicia-se com a capacidade de argumentar (Kuhn, 1991), uma habilidade simples, mas já difícil de ser percebida, e estende-se através de um longo caminho de exercício reflexivo. As pesquisas na web incluem análises de textos multimídia, hipertextualidade, organização, comunicação síncrona, interatividade, diversidade, estética; tudo isso em confronto direto com o linear, com a hierarquia, o convencional, lógico, convenções e regras de impressão e, em geral, dos meios audiovisuais (Livingstone, 2002; Castells, 2002). Assim, somos desafiados a pensar na pesquisa escolar na sociedade do conhecimento de forma diferente, reconhecendo na sociedade midiática, cada vez mais digital, o duplo desafio de responder ao letramento cibercultural e sensibilizar alunos para questões sociais, urgentes de nossa época. O grande desafio seria, agora, fazer uso das tecnologias

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dentro de uma mentalidade questionadora e crítica, além disso, a web já é um local bem propício a colocações críticas e políticas: alunos e professores podem participar de grupos de discussão e projetos de aprendizagem colaborativa, fazendo sua própria produção midiática. Evidentemente que para se ter acesso a essa produção não bastam apenas as habilidades de letramento adquiridas no sistema impresso (a cultura do papel), muitas vezes restritas à elite, mas também exige novas formas de letramento, colocando assim um significante desafio para a educação (Kellner, 2000, p.36). Mas, no cerne da discussão sobre pensamento crítico, surge a questão: o que representaria, de fato, esse pensamento? Segundo o esquema abaixo, é proposto um modelo de pesquisa onde seria despertado/exercitado o pensamento crítico durante as buscas. Figura 1: Como se constrói o pensamento crítico.

Esquema proposto pela University of South Austrália (UNISA), tradução livre.

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Seria uma proposta de trabalho que se inicia pelo levantamento dos dados (informar e descrever). Análise do tema em questão, levantamento de informaçõesa seu respeito,

delimitação, debates envolvendo aprendizado

colaborativo, teste e aplicação do conhecimento são etapas que devem trazer reflexão e reelaboração do pensamento, tornando-o mais crítico (UNISA, 2009). Assim, uma proposta de pesquisa que busque compreender como se dá a relação entre jovens educandos na escola e a pesquisa escolar mediada pelo uso de tecnologias, como ela é feita, compreendida e construída pelo aluno, precisa estar atenta a certos aspectos importantes da cibercultura, pois um número cada vez maior de escolas lida com a realidade dos computadores em casa e na comunidade. Os nossos alunos estão adotando formas contemporâneas da cibercultura. Como resultado inevitável, eles estão envolvidos em formas híbridas de comportamento e de letramento - usando uma mistura de formas tradicionais e novas desse letramento para se comunicar com os outros (Moran, 2005). O advento da Cibercultura vem trazer esse novo modus operandi para dentro da escola, e também levanta questões relativas à banalização do uso das TIC na sala de aula, pois formas acríticas desse uso oportunizam a potencialização de problemas já decorrentes de práticas educativas obsoletas e infrutíferas.

Referências Bibliográficas CARTER, K., & Doyle,W. Teachers’ knowledge structures and comprehension processes. In J. Calderhead (Ed.), Exploring teachers’ thinking. London: Cassell. 1987. 219 p. CASTELLS M, 2002, Castells, M.. The Internet galaxy: Reflections on the Internet, business, and society. Oxford: Oxford University Press. 2002. 558 p. DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 4. ed. São Paulo: Papirus, 1998.156 p. FACIONE NC. Critical thinking and adult development at the college level: First report on the Meta-Study Project for Nursing and Allied Health. Symposium: American Educational Research Association, San Francisco, CA, 1995. 593 p.

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FREIRE, Paulo. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. 158 p. GILSTER, P. Digital literacy. New York: John Wiley & Sons. 1997. 276 p. GUINEE, K., Eagleton, M.B., & Hall, T.E. Adolescents’ Internet search strategies: Drawing upon familiar cognitive paradigms when accessing electronic information sources. Journal of Educational Computing Research, 29, 363–374. 2003. 423 p. KELLNER, D. Theorizing Globalization. Sociological Theory 20(3), 2002. 478 p. KUHN, D. Thinking as argument. Harvard Educational Review, 1991. 367 p. LIVINGSTONE, S. (2003). Children’s use of the Internet: Reflections on the emerging research agenda. New Media and Society. 326 p. MORAN, J. M. As múltiplas formas do aprender. Atividades & Experiências (entrevista) Julho 2005. p. 11-13. MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 1996. 350 p. MORO, Eliane et al. As Novas Tecnologias da Informação e Comunicação e a Pesquisa Escolar. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE COMPUTAÇÃO, 22., 2002, Florianópolis: SBC, V.5, 2002. 353 p. PRENSKY, Marc. Listen to the Natives. Educational Leadership. December 2005/January 2006. V.63, p.8-13. RAMAL, A.C. Educação na cibercultura: hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem. In: SOARES,M. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação e Sociedade: Campinas, vol.23, n.81, p.143-160, dez. 2002. SCHACTER, J. The impact of education technology on student achievement: What the most current research has to say. Santa Monica, CA: Milken Exchange on Education Technology, 1999. 1045 p. SIVIN-KACHALA, J., and Bialo, E.R. 1999 research report on the effectiveness of technology in schools. 6th ed. Washington, DC: Software and Information Industry Association, 1999. 114 p. UNISA – University of South Australia. Using critical thinking to gain knowledge and understanding. Disponível em: http://www.unisanet.unisa.edu.au/Resources/ nursing /Critical%20thinking/Critical%20thinking.htm. Acessado em 18 set. 2010

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Lucia VALLE, Mestranda Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) [email protected]

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Sérgio ABRANCHES, Prof. Dr. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) [email protected]

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