Aspectos da tipologia na arquitetura - UniRitter

23 out. 2015 ... nascimento de um tipo arquitetônico está justamente ligado à condição de existência de edificações com...

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XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis

Aspectos da tipologia na arquitetura Juliana Costa Motta Mestranda do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, mestrado associado UniRitter/Mackenzie. [email protected] Vanessa Guerini Scopel Mestranda do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, mestrado associado UniRitter/Mackenzie. [email protected] Resumo: O tema desse artigo é tipologia e possui como foco sua aplicação na área da arquitetura. Tipo é um elemento importante da dimensão conceitual da arquitetura pois envolve a essência da arte em particular, mas também resulta em um desdobramento prático da teoria ao guiar a concepção do arquiteto e a percepção do público. O tipo é o princípio que regula as modificações e a chave para a leitura do público, é por ele que se imprime o caráter distintivo dos edifícios. O objetivo principal dessa pesquisa é apresentar, através de relações evidentes, o significado de tipologia na arquitetura. A partir de um estudo bibliográfico e iconográfico, propõe-se clarificar o significado desse conceito percorrendo a diferenciação e a correspondência com o conceito de modelo, pois somente a partir do embasamento inicial desses conceitos é que se pode iniciar qualquer intenção de análise tipológica na arquitetura. Como principais resultados, podemos presumir o entendimento de que o conceito de tipologia difira do que se denomina modelo. Tipos na arquitetura são objetos a partir dos quais podem ser concebidas obras totalmente diferentes entre si de maneira que suas características são imprecisas.

1 Introdução Notoriamente, uma obra de arquitetura pode ser analisada por diferentes aspectos, que podem ser inicialmente referentes a questões quantificáveis, como taxa de ocupação e coeficientes de aproveitamento. Questões de aspectos funcionais também podem ser verificadas a partir da análise das atividades de uma edificação, a partir de seu organograma e fluxograma. Fundamental é, igualmente, considerarmos aspectos figurativos, que consistem na análise de questões estéticas. Dessa forma, é factível afirmar que o nascimento de um tipo arquitetônico está justamente ligado à condição de existência de edificações com particularidades formais e funcionais evidentemente equivalentes. Conforme o exemplificado por Argan (1993, p. 159), todo projeto arquitetônico possui um aspecto tipológico, seja no sentido de que o arquiteto XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015

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busca conscientemente aproximar-se de um tipo (ou afastar-se dele), ou no de que toda obra arquitetônica visa definitivamente colocar-se como um tipo. Portanto, considera-se que questões relacionadas à tipologia arquitetônica sejam colocadas não apenas no processo histórico, mas também em um sistema ideativo e operativo dos arquitetos. Visando aprofundar esse tema por meio de um estudo bibliográfico e iconográfico, procura-se aqui exemplificar e esclarecer o conceito de tipologia empregado na arquitetura. Para tal, coloca-se paralelamente o conceito de modelo, no intuito de verificar suas diferenças e correspondências com a tipologia. 2 Diferenciação de tipos e modelos Arquitetonicamente, a tipologia não somente pode ajudar a contar a história de um povo, determinar o estilo de uma época, como também contribuir para futuros projetos, tendo em vista que proporciona embasamento ao arquiteto. A tipologia, portanto, corresponde ao estudo dos tipos. Na arquitetura, faz-se referência a um tipo de construção, espaço livre ou de um componente do espaço livre, investigando suas variações, hierarquias e sua relação com o contexto urbano, período histórico e a sociedade que o produziu. São analisados os tipos edificatórios que não abrangem apenas os edifícios, mas os muros, as ruas, os pátios, os jardins e outros elementos morfológicos. Importante salientar ainda que na arquitetura a tipologia é trabalhada com a escala do edifício ou do elemento selecionado. De acordo com Argan (2001, p. 66), no processo de comparação e superposição das formas individuais para a determinação do tipo, “são eliminados os caracteres específicos dos edifícios isolados e conservados apenas os elementos que comparecem em todas as unidades de série”. O tipo se configura, assim, como um esquema deduzido através de um processo de redução de um conjunto de variantes formais a uma forma-base comum. O autor considera legítimo, portanto, que a forma-base em que se encontra o conceito de tipo deva ser entendida como princípio que implica na possibilidade de infinitas variantes formais. É primordial para o entendimento da tipologia, na arquitetura, esclarecer os aspectos que relacionam e diferem o tipo de um modelo, pois se por um lado a obra arquitetônica pode ser vista como uma produção exclusiva e original, por outro o pode ser, também, como objeto que é produzido em série. Em seu histórico Dictionnaire d’Architecture, Quatremère de Quincy foi o primeiro teórico a estabelecer o conceito de tipo atrelado às questões que o diferem de um modelo XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015

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A palavra ‘tipo’ não representa tanto a imagem de uma coisa a ser copiada ou imitada perfeitamente quanto a ideia de um elemento que deve ele mesmo servir de regra ao modelo [...]. O modelo, entendido segundo a execução prática da arte, é um objeto que se deve repetir tal qual é; o tipo é, pelo contrário, um objeto segundo o qual qualquer pessoa pode conceber obras que não se assemelharão em nada entre si. Tudo é preciso e, dado no modelo, tudo é mais ou menos vago no tipo. (QUATREMÈRE DE QUINCY, apud ARGAN, 2001, p. 66).

Essa definição foi retomada por outros teóricos como Aldo Rossi, Aymonino e Panerai no século XX, sendo empregada muitas vezes como ponto de partida para a teorização necessária ao estudo dos tipos. A distinção entre modelo e tipo tornou-se imprescindível com a introdução do movimento moderno e a questão da produção de moradias em série. Tipo é um elemento fundamental na arquitetura, pois dele resulta um desdobramento prático da teoria que guia a concepção do arquiteto e a percepção do público. Os termos “tipo” e “modelo” podem ser aplicados e facilmente compreendidos em situações comuns do nosso cotidiano, como ao observar os veículos nas ruas da cidade e identificar rapidamente os inúmeros modelos existentes, como Gol, Jetta e Golf – carros reproduzidos em série pela empresa Volkswagen. Porém, quando se direciona o olhar sob o viés desses conceitos para a arquitetura, percebe-se uma certa dificuldade no entendimento e discernimento do que seria realmente o tipo e o modelo em uma obra arquitetônica. Propõe-se, portanto, como objeto de análise, dois projetos de residências universitárias com intuito de clarificar as relações e diferenças entre tipo e modelo no âmbito da arquitetura. São estas: Keetwonen, projeto do escritório Tempohousing, localizada em Amsterdam, na Holanda, e Cite A Docks, situada em Le Hevre, na França e projetada pelo escritório Cattani Architects. Tem-se em vista que somente a partir do embasamento inicial desses conceitos é que se pode iniciar qualquer intenção de análise tipológica na arquitetura. Keetwonen é o nome do maior condomínio de contêineres do mundo. Projetado para receber estudantes, essa residência universitária tem em sua composição mil unidades de contêineres, utilizados para proporcionar todas as amenidades que esse público necessita ao longo de sua estada.

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FIGURA 1 – Keetwonen - Sacadas

Disponível em: Acesso em 27 de junho de 2015.

FIGURA 2 – Keetwonen - Montagem

Disponível em: Acesso em 27 de junho de 2015.

Os contêineres vêm completos com todas as comodidades, por vezes ausentes em dormitórios estudantis convencionais: banheiro e cozinha individuais, varanda, quarto separado e sala de estudos; grandes janelas que oferecem uma vista panorâmica e luz natural e, até mesmo, um sistema de ventilação automático com velocidades variáveis. O aquecimento dos módulos se dá a partir de um sistema de caldeira de gás natural central. Neste caso, pode-se observar que os contêineres são o que se denomina modelo. Chegam à obra como matéria prima; iguais e repetidos eles irão compor um todo que juntamente com outros elementos formais e funcionais resultará em uma obra; essa, por sua vez, colocar-se-á como um tipo. Isso, ainda de acordo com Argan (2001), no sentido de que toda obra arquitetônica visa definitivamente, a colocar-se como um tipo. FIGURA 3 – Keetwonen - Fachada

Disponível em: Acesso em 27 de junho de 2015.

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Nesse projeto, ainda como especificidade, incorporou-se um telhado para acomodar a drenagem de águas pluviais, enquanto proporciona a dispersão de calor e o isolamento para os contêineres que estão abaixo. Todo o projeto foi concebido de acordo com a maneira a qual os estudantes gostam de viver: um lugar para si que permite a individualidade, mesmo dentro de um espaço de categoria coletiva. A residência universitária conta com um café, supermercado, espaço de escritórios e área de esportes. As unidades são organizadas em blocos que contém uma unidade de serviço com eletricidade centralizada, internet e sistemas de rede. Os blocos têm uma área fechada interna para estacionamento de bicicletas. Tendo, é claro, todas essas e outras especificidades existentes na obra, torna-se visível que Keetwonen é um tipo de habitação coletiva destinada a estudantes e não um modelo, pois podemos elencar questões formais, funcionais e vivenciais que irão caracterizar esta edificação de acordo com as suas particularidades. Em Le Hevre, assim como acontece em Keetwonen, Cite A Docks, tem como base de projeto os contêineres. Porém, o projeto do escritório Cattani é resultado da transformação de contêineres antigos em unidades de alojamento modular equipadas com todo o conforto. Montados em uma grade de estrutura metálica, os contêineres formam um edifício de quatro andares que abriga 100 apartamentos de 24 metros quadrados cada, de forma que cada módulo possua um espaço livre, uma cozinha, um banheiro, um sistema de ventilação, duas janelas e acesso à internet. FIGURA 4 – Cite A Docks - fachada

Disponível em: Acesso em 26 de junho de 2015.

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Essas especificações complementares, de resoluções funcionais e programa, é que distinguem o produto final, juntamente com questões estéticas – como a escolha dos materiais de acabamento complementares em cada obra. Considerações claras que demonstram o lado subjetivo que caracteriza o tipo. Verifica-se, portanto, que o modelo aqui apresentado como elemento compositivo, formal e funcional em ambas as residências é o contêiner. Percebe-se que ele pode ser aplicado tal como é; ser reproduzido da mesma maneira inúmeras vezes, como uma clonagem, característica do modelo, conforme ilustrado abaixo. FIGURA 5 – Containers

Disponível em: Acesso em 27 de junho de 2015.

FIGURA 6 – Containers e suas variações

Disponível em: Acesso em 28 de junho de 2015.

Diferentemente da clonagem de um modelo, a cópia de um tipo pode conduzir o arquiteto à distintas formas de finalização, dependendo das suas intenções e do contexto de projeto. Devido à grande possibilidade de variação formal existente na exploração de cada tipo, individualmente, e do repertório tipológico, viabiliza-se uma diversidade de resultados, um incentivo à criatividade dos projetistas, conforme demonstram abaixo as ilustrações dos projetos para residências universitárias na França, do escritório Cattani Architects, e na Holanda, do escritório Tempohousing.

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FIGURA 7 – Cite A Docks, França

Disponível em: Acesso em 27 de abril de 2015.

FIGURA 8 – Keetwonen, Holanda

Disponível em: Acesso em 27 de abril de 2015.

3 Conclusão Tendo em vista os aspectos observados, pode-se facilmente perceber as diferenças entre os conceitos de tipo e modelo, bem como entender que, empregados na arquitetura, eles possuem relações importantes entre si que ajudam a guiar o arquiteto na concepção do projeto arquitetônico. Pela análise das obras das residências universitárias Keetwonen e Cite A Docks, pode-se perceber facilmente que os contêineres em ambos os projetos são modelos. Os projetos se utilizam desses modelos de modo a configurar um tipo, na medida em que se colocam particularidades formais e funcionais a cada modelo. As diferentes alternativas de apropriação dos tipos arquitetônicos, no desenvolvimento dos projetos de arquitetura, dão margem a uma interessante diversidade de resultados, situação notória quando se observa as diferentes propostas dos escritórios Cattani e Tampohousing. Em suma, a partir do entendimento dos conceitos de tipo e modelo no âmbito da arquitetura, pode-se então preparar o olhar para iniciar a análise tipológica de uma determinada obra. Considera-se legítimo, portanto, que modelo é tudo aquilo que é igual, que pode ser produzido em série. Já o tipo, em contrapartida, é vago, subjetivo, permite inúmeras variantes formais. Tratam-se de conceitos distintos que na arquitetura estão visivelmente ligados. O modelo que aparentemente parece apresentar apenas diferenças em relação ao tipo na arquitetura pode se mostrar amplamente relacionado a ele, podendo ainda, em determinadas obras, ser a base inicial de um projeto, ajudando a originar um tipo. XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq – 19 a 23 de outubro de 2015

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