Aline Verissimo Monteiro

A valorização da aprendizagem e da imagem no contexto das redes digitais e seus impactos e possibilidades na educação e ...

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A valorização da aprendizagem e da imagem no contexto das redes digitais e seus impactos e possibilidades na educação e na produção das subjetividades na atualidade Aline Veríssimo Monteiro1 (UFRJ) Resumo: Desde o final do século XIX vivemos em um contexto de proliferação de imagens, que se tornou dilúvio com o advento das tecnologias digitais e a constituição da “WWW”. Chegamos ao século XXI imersos em redes sociais constituídas por um conjunto de sujeitos que tecem sua “rede” e compõem seu “mar de navegação” sociais, sobretudo, por meio das tecnologias digitais de captura, produção, edição e transmissão de imagens. A partir, principalmente, dos trabalhos de P. Lévy, D. Bougnoux e L. Sfez, reconhecemos na atualidade a vigência de um pensamento comunicacional que valoriza a aprendizagem e a imagem, colocando uma série de desafios ao campo da psicologia da educação. Palavras‐chave: psicologia da educação, imagem, aprendizagem. Abstract: Ever since the end of the 19th century, we have lived in a context of proliferation of images, which has become a deluge with the creation of digital technologies and the constitution of the world wide web. We arrived in the 21st century submerged in social networks made up of an aggregation of subjects that weave theirs network and make theirs social “navigation sea” mainly by means of digital technologies of image capture, production, editing and transmission. Parting mainly from the works of P. Lévy, D. Bougnoux and L. Sfez, we recognize in present time the existence of a communicational thought that values the processes of learning and the images, putting a series of challenges to the field of educational psychology. Palavras‐chave: educational psychology, image, learning.

Introdução

Desde o final do século XIX vivemos em um contexto de proliferação de imagens. Proliferação que se tornou dilúvio com o advento das tecnologias digitais e a constituição da World Wide Web. Chegamos ao século XXI imersos em redes sociais constituídas por um conjunto de sujeitos que simultaneamente tecem suas

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redes e compõem seu mar de navegação social e suas identidades, sobretudo, por meio das tecnologias digitais de captura, produção, edição e transmissão de imagens. Nesse contexto, a partir dos trabalhos principalmente de P. Lévy, D. Bougnoux e L. Sfez, reconhecemos a vigência de um pensamento comunicacional2 que seria o próprio de uma cultura comunicacional contemporânea, que se faz pela trama de fluxos tecnológicos de informação, pelas redes de comunicação mediadas por tecnologias multimídias, por hipertextos componentes de uma cibercultura, nas palavras de P. Lévy. Identificamos a vigência desse pensamento comunicacional com um modo de estar no mundo marcado por três experiências ou regimes: o tempo na forma da aceleração, a comunicação na forma da interação e o conhecimento na forma da simulação. A dinâmica engendrada por essa tríade ‐ aceleração, interação, simulação – termina por estabelecer modos de existência e subjetivação que valorizam os processos de aprendizagem, a temporalidade do indivíduo e o pensamento por imagens.3 As transformações componentes desse cenário comunicacional colocam, então, diversos desafios ao campo da psicologia da educação, sendo que nos interessam aqui aqueles que tratam dos processos de aprendizagem e da configuração do que seja esse sujeito que aprende em rede e por simulação. Norteado por essas questões, o presente trabalho é um início de exploração dos limites e possibilidades das teorias da psicologia da educação sobre o sujeito e o processo de aprendizagem neste cenário cultural onde o corpo biológico e a experiência social e individual permitidas por ele parecem não bastar para garantir a importância, a permanência e mesmo a realidade de algo: uma imagem e uma tecnologia associada a ela parecem ser necessárias a constituição do mundo atual.

A pertinência da imagem na cultura comunicacional contemporânea O século XIX experienciou uma revolução imagética ou, como nomeou Mitchell, uma “virada imagética”4. Duas obras ilustram bem o processo de revolução ocorrido na passagem do século XIX ao XX envolvendo transformações

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simultâneas e correlatas no campo social, tecnológico, subjetivo, imagético e visual, formando as bases e as condições de possibilidade de processos que parecem ter nos trazido e transformado de modernos a contemporâneos, incluindo as características e os elementos que justificam as discussões e discordâncias acerca dessa passagem. Em “Técnicas do observador”, uma obra que toca profundamente nas bases das teorias psicologias e suas concepções do sujeito/mente/subjetividade, J. Crary (1992) apresenta como, no séc. XIX, inovações tecnológicas se combinam com inovações

histórico‐sociais

e

criam

diferentes

relações

entre

sujeito/imagem/mundo, criando novas formas de visibilidade e subjetividade que desenraizam o olhar e a imagem. O primeiro torna‐se cerebral, mental, subjetivo, criação do sujeito, e não mais o reflexo mecânico de um olho “câmara escura”, também maquínico. Se o primeiro migra de uma visão objetiva para uma subjetiva, a segunda, paradoxalmente, por meio de instrumentos que automatizam sua criação, tornando‐a mais realista, ganha status de objeto e autonomia e maleabilidade frente ao referente/real. O próprio Crary destaca, como bem observa Portugal (2009), que sua análise da revolucionária construção histórica da visão no século XIX acontece em meio a uma revolução ainda mais profunda da visualidade e das relações do sujeito observador e seus modos de representação (que na atualidade seriam modos de simulação) devido ao rápido desenvolvimento das técnicas digitais e da computação gráfica.5 Organizado por Charney e Schwartz (2007), “O cinema e a invenção da vida moderna”, foca menos no sujeito e na psicologia, e faz um excelente panorama das mais variadas relação entre imagem/sociedade e seus impactos na configuração cotidiana do modo de vida do século XX. Em uma narrativa fragmentada em uma série de artigos diferentes quanto aos autores e temas, o livro consegue revelar a ação pulverizada de variadas “tecnologias” de imagem/visualidade (lojas de departamentos, catálogos de venda e cartazes publicitários, por exemplo) que, somadas ao cinema, engendram novas forma de ser e estar que estabelecem o modo de vida urbano‐moderno do século XX.

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Na sequência desses processos, a digitalização, na segunda metade do século XX, promove uma outra revolução tecno‐visual‐cultural, sob os efeitos da qual ainda buscamos construir análises do passado, do presente e pensar/simular um porvir. É no bojo dessas mudanças que, desde a segunda metade do século XX, se tem debatido e identificado a emergência de um novo cenário cultural ao qual o nome contemporaneidade passou a ser referido em meio a desacordos e discussões quanto a sua continuidade, ruptura e recrudescimento em relação ao que identificávamos como

Modernidade.6 Elemento

chave dessa passagem, as

tecnologias digitais de comunicação aparecem como os dispositivos responsáveis pelas transformações da dinâmica cultural, impactando nas experiências de tempo, de verdade e de subjetividade constituídas na modernidade. Reduzindo signos a sinais, essas tecnologias permitiram que imagens, textos, texturas, experiências e identidades passassem a ser partilhadas, capturadas, distribuídas, produzidas digitalmente, engendrando um universo complexo em rede, fluído, nomeado como ciberespaço ou cibercultura.7 A cultura comunicacional contemporânea, termo que adotamos, aparece desse processo de globalização sociotécnica onde a imagem se configura como um elemento dominante. As tecnologias de comunicação e informação digitais são, sobretudo, diante das convergências midiáticas que experimentamos, tecnologias de imagem. As telas cada vez maiores dos celulares são um idício fácil desse fato. Surgidos como telefones, aparelhos de transmisão de voz/som, os celulares se transformarem em plataformas multimídia onde a imagem impera nos comandos e nas mensagens trocadas, produzidas e enviadas. A passagem do verbal do campo da sonoridade, da oralidade, para o campo imagético visual do texto vive uma revolução ainda mais radical do que a de promovida por Gutemberg.8 Abrindo mão do suporte físico do papel, a leveza do código digital e da transmissão em tempo real permitem ao texto novos acordos, pactos e compromisso com a lógica das imagens em detrimento, para alguns, da lógica do texto.9 A rede, o hipertexto, são espaços de navegação e não de leitura linear e hermenêutica precisa. A iconicidade e a indicialidade invadem o domínio do simbólico.10

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Mas, para além da possibilidade tecnológica, o que nos faz hoje privilegiar as imagens? Nossa tese é a de que as imagens são mais adequadas à lógica do cultura comunicacional a qual nomeamos pensamento comunicacional. As tecnologias digitais disponibilizaram modalidades de experiências de tempo, comunicação e conhecimento diferentes daqueles engendrados e característicos da cultura clássico‐moderna. Se naquela vivenciávamos o tempo cronológico, o conhecimento por representação e a comunicação linear, hoje a imersão digital nos coloca em um tempo em aceleração, comunicação em interação e conhecimento por simulação. 11 Essa tríade constituinte do pensamento comunicacional é mais facilmente atualizada na forma de imagens do que na forma de texto. O texto, mais afeito a lógica clássico‐moderna exige em sua leitura a vivência do tempo cronológico, da comunicaão linar e do conhecimento por representação, uma vez que nele precisamos seguir a sequência do texto proposta pelo autor, ler uma palavra por vez, e obedecer à estrutura do código lingüístico no qual ele foi escrito e a figura do autor como emissor no momento da decodificação/recepção do mesmo. Já a imagem não exige a obediência a um conjunto de regras lingüísticas para decodificação, permitindo com sua natureza sintética maior liberdade e participação do receptor em sua interpretação. Essa mesma natureza sintética torna sua comunicação mais veloz, econômica e democrática, atendendo à dinâmica da globalização e da aceleração. Por sua natureza icônica e indicial a imagem é, por si, uma apresentação de uma realidade possível, uma simulação sempre disponível previamente à interpretação de qual seja o sentido daquela comunicação. Estamos no universo dos exemplos, onde o conhecimento se mostra, seduz com sua face de realidade presente sem que um referente seja necessário. O campo das ciências ganha contornos de ficção científica12 nessa adoção da imagem, em comparação com o que a conceituação textual permitia. Imagem do big‐bang, por exemplo, nos faz rapidamente concordar com o que os físicos e cosmólogos dizem, diferentemente da exitação e desconfiança que sismamos em manter diante de descrições textuais e equações ininteligíveis a não iniciados no campo.

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Seguindo nossa tese, então, temos que, estando a cultura comunicacional contemporânea marcada por um pensamento comunicacional, qual seja, a vigência de regimes das experiências de tempo como aceleração, da comunicação como interação e do conhecimento como simulação, os signos que melhor se adequarem e permitirem o exercício desses regimes tenderão a ser aqueles privilegiados na comunicação e na construção da subjetividade e na mediação da relação sujeito/mundo. Neste caso, por suas características semiológicas, a imagem parece apresentar mais aderência e pertinência a esse universo do que o texto.

Redes sociais, aprendizagem, simulação e os desafios para a psicologia da educação

O que as redes sociais trazem de contribuição para esse debate e qual sua relação e implicações para a educação? Segundo Bruno (2004), se associarmos imagem à visibilidade e ao olhar, encontraremos, desde Foucault (1983) em “Vigiar e Punir” e sua genealogia da subjetividade moderna essa aproximação, sendo a subjetividade moderna resultante dos regimes de visibilidade do poder disciplinar e dos

saberes

correspondentes.

Seguindo

essa

relação

imagem/visibilidade/olhar/subjetividade, a autora nos apresenta um quadro de deslocamentos

dos

regimes

de

visibilidade

modernos

para

os

regimes

contemporâneos e os correspondentes deslocamentos na subjetividade. Esses deslocamentos podem ser bem observados na dinâmica das redes sociais e nos permitem entender como a temporalidade dos indivíduos e a aprendizagem adquirem outra dinâmica na contemporaneidade. Dinâmica que se atualiza na sala de aula, na escola, na educação, e a qual as teorias de aprendizagem precisam responder. A autora destaca dois deslocamentos principais que à época do artigo se evidenciavam por weblogs e webcams. Esses dispositivos criaram duas redes de

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fluxos e produção de dados e comunicação que são analisadas pela autora: redes de exposição de si e da intimidade e redes de vigilância. Entendemos que as atuais redes sociais Facebook, Twitters, e ferramentas como o youtube e o Google street

view, para citar alguns, põe mais relevo na questão e apontam a direção de desenvolvimento que se tem seguido com essas tecnologias analisadas em 2004 pela autora. O que vemos é o quanto a lógica de exposição e vigilância se expandiu e se infiltrou no cotidiano, escapando dos movimentos voluntários de ingresso nessas redes e exigindo, muitas vezes, que os indivíduos ajam no sentido de serem excluídos dessas redes, mesmo sem terem feito o movimento de entrada nas mesmas.13 Tal fato nos permite tomar os deslocamentos e impactos na subjetividade apontados por Bruno ainda como iniciantes em 2004, como tendo já assumido status de referência e padrão na constituição das subjetividades hoje. O que aponta a urgência de compreendê‐los e colocá‐los como questão para a educação. O primeiro deslocamento concerne à constituição da subjetividade, no que a autora aponta a passagem de uma subjetividade interiorizada, marcada pela introspecção e pela hermenêutica de si (subjetividade moderna) para uma subjetividade antecipação

exteriorizada, (subjetividade

caracterizada contemporânea).

pela

projeção,

Os

indivíduos

exposição

e

atualmente

constituiriam suas subjetividades, suas identidades, de fora para dentro, ou melhor, na superfície de exposição e conexão nas redes sociais. “Você é aquilo com o que se conecta e com quem se conecta, enquanto está conectado” seria, talvez, uma boa atualização da antiga máxima popular: “Diga‐me com quem andas e eu direi quem tu és”. A urgência da conectividade e desejo de sua manutenção ininterrupta, que o sucesso da portabilidade e agilidade do smartphones e do

Twitter permitem pensar, podem ser pistas do quanto nos constituímos na rede. Os adolescentes e seus milhares de amigos nas redes e celulares sempre ligados que precisam “SEMPRE ser atendidos na hora!”14 também podem ser indicio de como as novas gerações se constituem em plena sintonia com a lógica dessas redes. Como descreve BRUNO:

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“Os dispositivos de visibilidade atuais oferecem o olhar do outro e uma cena pública numa realidade social onde o indivíduo só existe se ele é capaz de fazer saber que existe [(Cf. EHRENBERG, 1995, p. 251)]. Não por acaso, as tecnologias de comunicação são instrumentos privilegiados na atual constituição da individualidade e da subjetividade.” (BRUNO, 2004, p. 119)

Esses exemplos nos levam diretamente ao segundo deslocamento pontuado por Bruno, o do estatuto do olhar do outro, que toma duas formas complementares e interrelacionadas: a da privatização do olhar e da vigilância. A exposição se faz para olhares particularizados, individualizados, uma vez que a rede contemporânea se compõe de nós, não corresponde à massa pública disforme que exigia individualização, ao povo, ao coletivo modernos. Esse enfraquecimento do coletivo público, desse social compacto, também responde pelo fato de o indivíduo ter que se responsabilizar sozinho ‐ sem instituições fortes, seguras, estáveis e prévias – por conquistar, cativar e manter o olhar do outro sobre si, olhar que sustenta sua identidade. A forma da vigilância se faz presente não só pelas câmeras que nos vigiam a qualquer tempo e a cujo olhar devemos ficar agradecidos ou mesmo felizes “Sorria, você está sendo filmado!”, mas também pelo fluxo de informações e dados coletados em nossas ações e movimentos cotidianos: nossas compras, nossas preferências, nosso movimentos de comportamento e hábitos de consumo. Nem sempre

visível

diretamente,

essa

vigilância

distribuída

em

informações

fragmentadas nos surpreende quando, por exemplo, mesmo tendo limite de crédito no cartão, somos impedidos pela empresa de executar determinada compra até que ela nos ligue e confirme que de fato vamos realizar tal ato, uma vez que ele não se enquadra em nosso padrão de compra. Somos lembrados, pelo banco de dados de que temos um padrão, uma identidade, que nós mesmos desconhecíamos, e não estamos sendo fiéis a ele. “Na atualidade, trata‐se sobretudo de ver adiante, de prever e predizer, a partir dos cruzamentos e análises de dados, indivíduos e seus atos potenciais, seja para contê‐los (como no caso de crimes, doenças, onde tende a predominar uma vigilância preventiva), seja para incitá‐los (como

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no caso do consumo, da publicidade e do marketing). O ritual do exame e seus procedimentos hermenêuticos são substituídos pelos perfis computacionais e seus procedimentos algorítmicos e estatísticos.” (Bruno, op. cit., p. 117)

Esses deslocamentos e suas ilustrações permitem que mais uma vez vejamos os regimes do pensamento comunicacional em ação, agora na constituição da subjetividade e nas noções de identidade e individualidade contemporâneas. A aceleração na conexão ininterrupta e constituidora de realidades outras em tempo real, com a agilidade de 140 caracteres que o Twitter permite. A interação na constituição das identidades e subjetividades na manutenção dessas conexões plurais em tempo real. A simulação na maleabilidade e fluidez desses eus mutantes no fluxo das conexões, tão mutantes que há aqueles que eu tenho e nem sei, preciso ser informada dele, como no caso do cartão de crédito. Nas palavras de Bruno temos: “O foro íntimo [‐ categoria moderna da subjetividade interiorizada ‐] deixa de ser experimentado como o refúgio mais autêntico e secreto para se tornar uma matéria artificialmente assistida e produzida na presença explícita do olhar do outro. Obscenidade, superficialidade e vitória da aparência sobre a realidade e a verdade? Tais acusações perdem força na medida em que a tópica que as justifica não parece mais delimitar a experiência contemporânea de si e do outro. Nos weblogs pessoais, webcams e reality shows, pouco importa a distinção aparência/realidade – a verdade é o que se mostra, pois não reside numa interioridade prévia e mais autêntica,mas é produzida no ato mesmo de se mostrar.” (BRUNO, 2001, p. 118‐119)

Essa indistinção aparência/realidade, que chama atenção para a simulação como modalidade característica da contemporaneidade é um bom ponto de partida para pensarmos os impactos desses deslocamentos na educação e para as possíveis contribuições que a psicologia da educação pode trazer para a discussão. De origens modernas, a maioria dos autores da psicologia da educação mantém a distinção aparência/realidade como base de suas teorizações. Seja numa visão da ciência como representação do mundo e não como simulação do mesmo, seja numa busca de uma verdade, um a priori do sujeito, da mente, e dos processos cognitivos.

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Também a hermenêutica, ação característica do universo dos textos, está cada vez mais distante das experiências contemporâneas, onde a performance que cria/simula sujeitos e sustenta identidades parece ser cada vez mais o ato comunicacional por excelência. Mesmo no campo das ciências, a representação e a hermenêutica têm aberto espaço à criação performativa do discurso científico, como revelam os autores das CTS, B. Latour, J. Law e A. Mol por exemplo. Como já dissemos,

a

cultura

comunicacional

contemporânea

e

o

pensamento

comunicacional demonstram maior compatibilidade com a imagem do que com o texto, o que nos coloca a questão: como vamos abrir espaço para a imagem no ato de construção de conhecimento? Apesar dos esforços de inserção do audiovisual e dos computadores nas escolas, a prática pedagógica se mantém com ênfase no texto como única forma de trabalhar com o conhecimento escolar. Outro ponto é a predominância da temporalidade cronológica e da comunicação linear em uma educação que entende o ensino como um ato de transmissão e a aprendizagem como recepção. A interatividade contemporânea em tudo afasta os sujeitos dessa lógica e dessa experiência. Não clickar, não escolher, não navegar, não zappear, tudo que a sala de aula se mantém exigindo dos alunos, tudo que eles cada vez menos sabem fazer. As teorias do desenvolvimento, em seu vínculo com a verdade biológica ou natural ou social nos apontam para uma maior dificuldade de pensar um cenário marcado pelo artifício e pela aceleração, decorrentes da disponibilidade de articulação

de

desenvolvimento

processos com

em

base

tempo em

real,

instantes?

instantâneos. Em

Como

configurações

falar

de

pontuais,

circunstanciais? As teorias de aprendizagem têm vantagens nesse sentido, por tomarem como objeto processos de curta duração e marcados pelo tempo individual. No entanto, é preciso que se abram de forma mais radical à força desse indivíduo sem interioridade, indivíduo constituído no tempo de suas conexões, e pensar uma mente, uma aprendizagem na lógica da simulação. Pensar um sujeito que aprende como um porvir possível e que tem seus interesses como guia de suas

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vinculações, gestor de suas conexões e cada vez mais também, hibridado com a tecnologia. Outro ponto nevrálgico na educação está na questão disciplinar. A obediência disciplinar precisa ser revista a partir de uma lógica de um indivíduo autônomo, responsável por si, e que não precisa necessariamente de limites, mas de garantias existenciais, de sustentabilidade para sua subjetividade e identidade. O que a escola tem a oferecer é algo que garante essa sustentabilidade existencial e a conectividade do indivíduo à rede? Essas são perguntas que educadores e a psicologia da educação precisam com urgência responder, ou serão eles os excluídos das redes sociais contemporâneas.

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Aline Veríssimo MONTEIRO, Profa. Dra. de Psicologia da Educação  Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FE/UFRJ)  Depto. de Fundamentos da Educação  E­mail [email protected]  2  Tomamos o termo de empréstimo de D. Bougnoux, que o utiliza para descrever a dinâmica própria da cultura comunicacional  contemporânea, diferenciando­a da modernidade. Nas palavras do autor: “Onde julgávamos tratar de coisas, é preciso levar  em consideração fluxos; substituir as causas pontuais por sistemas e interações; entre seres estáveis introduzir a dialética, os  círculos recursivos, em poucas palavras, o pensamento comunicacional” (D. BOUGNOUX, 1994, p. 32.) No entanto, passamos  a utilizar o termo para identificar os regimes de tempo, comunicacão e conhecimento que identificamos como sendo os próprios  do cenário apresentado pelo autor. Nesse sentido, seguimos o sentido dado pelo autor, mas conceituamos o termo com base  nos regimes supracitados, quais sejam: a aceleração, a interação e a simulação, como veremos a seguir. Cf. MONTEIRO, A.  V., 2004a.  3  As idéias apresentadas nessa introdução e que servem de base para o desdobramento deste trabalho foram desenvolvidas  em minha tese de doutorado A Cultura Comunicacional: desafios e contribuições para a educação, defendida em 2004 no  programa de Pós­Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ. O aprofundamento dessa tese e os pontos centrais que  exploraremos aqui foram publicados em dois artigos: A valorização da aprendizagem e do indivíduo na Cultura Comunicacional  (2004b) e A imagem e o exercício de um pensamento comunicacional hoje (2005).  4  MITCHELL, 1994 apud PORTUGAL, 2009, p. 5.  5  CRARY, 1992, p. 01 apud PORTUGAL, 2009, p. 5  6  Cf. MONTEIRO, A. V. 1998, Lypovetsky & CHARLES, 2004 e ALEXANDER, 1995.  7  P. Lévy, 1999.  8  Cf. P. Lévy, 1993, MCLUHAN, 1977 e 2001, GIOVANNINI, 1987.  9  É o que entende G. Sartori, alertando­nos sobre o surgimento do homo videns. Cf. G. SARTORI, 2002.  10  Os trabalhos de R. Chartier exploram essa nova dinâmica do texto virtualizado, sobre tudo o seu A aventura do livo do  leitor ao navegador de 1998. Sobre essa invasão do indicial e do icônico no universo simbólico, D. Bougnoux vai identificá­la  como uma situação paradoxal de progressão cultural simbólica com regressão estética indicial (1994).  11  Monteiro, A. V. 2000 e 2004a.  12  Fátima R. OLIVEIRA (2003), escreve excelente artigo destacando como o ingresso das tecnologia de comunicação, onde a  imagem se faz presente, segue uma lógica de simulação em qualquer que seja o domínio, seja o da subjetividade, seja o da  ciência.  13  O melhor exemplo são os casos de ações judiciais promovidas contra o Google street view em que pessoas flagradas pelas  câmeras têm que pedir para que suas imagens sejam retiradas da rede. Chama a atenção o fato de que a empresa é que julga  se o pedido procede ou não e se retirará a imagem do ar ou não. O domínio da imagem não é mais do indivíduo, mas da  empresa, mesmo sem contrato assinado.  14  Problema que as escolas têm tido que enfrentar com muita seriedade.

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